Não dorme no ponto!
Rosa Pena
Para Carol minha filha
O cansaço das mil e uma noites bem ou mal vividas teimosamente se instalou em minha cabeça. A ressaca do que não foi bom me levou a esquecer “o mil” das noites e dos dias. Os vestidos vermelhos que me fizeram a dama, os vagabundos que me permitiram ser a lady, meu piquenique sem taças de cristal, mas com tanto pique! As chamas efêmeras que me conduziram ao eterno. Sem elas como eu saberia o tamanho da boca que cala realmente meus desejos?
Maldita fadiga que agora assalta minha mente pouco brilhante e teima em fazer teias em meus cabelos com linhas brancas, essas, tolas e tontas, me avisam que tenho autoridade adquirida pelas dezenas de anos, mais ainda, que possuo experiência para decidir o que é melhor para as tranças negras ainda sem tinta. Idiotas também são as botas de chumbo que calçam meus pés e não mais me permitem correr atrás dos sonhos. O esfalfamento cobriu com sua maré alta de desânimo a minha fantasia, o meu mar mareou e já não traz mais aqueles caramujos que colados aos ouvidos faziam ruídos de sereias e piratas no auge da ternura. Agora chegam apenas com vozes gastas, cobertas de inquietudes, de temor com todos e tudo, sobretudo com o calendário em contagem regressiva daquilo que se chama vigor. Mas se meu cinto de sentimentos ficou largo para minha cintura de ilusões, passo automaticamente a ter o direito de emagrecer os sentimentos de quem ainda tem centenas de furos no cós e quer preencher?
Ah! Que besta pretensiosa eu virei com esses meus malditos faróis traseiros ligados no pisca-alerta. Pior ainda, muitíssimo pior, é achar que sou muito esperta e tentar convencer uma uva toda viçosa que a alegria consiste na tranqüilidade de viver dentro de uma caixa de passas fechada.
Ah! Que lástima eu querer que o ponto não seja de interrogação ou exclamação, apenas ponto de cartão que rende um salário certo todo final de mês. Felicidade jamais terá estabilidade por tempo de serviço.
Ela é incerta, mas também pisca. Não os faróis. Os olhos sem maresia.
Midi: Não vou me adaptar/ Arnaldo Antunes
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