Tanto faz como tanto fez
Rosa Pena
Eu não sei se hoje você vem. Tanto faz como tanto fez. Na dúvida, coloco a mesa para dois. Pratos de porcelana e copos de cristal, jamais pratos de plástico ou copos de requeijão. Você odeia! A água ferve e a massa vai ter que esperar, ela também não sabe se você vem, mas para ela não vale tanto faz como tanto fez. Você gosta do talharim recém-saído do fogo! Separo o alho e o manjericão, jamais tomate. Você odeia! Escolho duas xícaras para o café do depois. Coloco água na chaleira, tiro o velho bule da prateleira, escondo o Nescafé. Você odeia café solúvel! Destranco a fechadura e deixo a porta apenas batida. Você odeia portas trancadas! Eu juro que não vou tentar ouvir seus passos no corredor, mas na dúvida coloco um som. Você adora o Caetano!
Será que algo mudou?
De sua vida agora pouco sei. Não tenho quase vez no seu presente, não vejo mais seus sorrisos incrédulos nos comerciais da TV, não ouço seu ronco insuportável, não mais me afogo nos pêlos do seu peito, nem adivinho as surpresas do seu olhar. Não sei quem faz sua comida, muito menos quem ganha a velocidade de sua língua.
Quinze para meia-noite. Guardo a louça, tranco a porta. Cala essa boca Veloso! Não tenho fome, apenas uma vontade imensa de tomar café com uma bolacha banhada nele. A água esquentou há um bom tempo, bem que assobiou avisando da fervura, mas eu não quis ver nem ouvir. Desliguei sem dar bola. Agora esfriou. Não se faz café com água fria. O jeito é arrumar outro quente. Eu adoro bebida pelando!
O rapaz do oitavo andar (que você odeia!) tem aparência de instantâneo. Um Nescafé bem feito é quase igual a um expresso. Quem sabe não é o da meia-noite? Ele tem cara de quem também aprecia molhar o biscoito.
Qualquer dia eu lhe conto o que ele tanto faz que você não fez.
foto: o vizinho do oitavo andar
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