Dando volta no tempo!

Rosa Pena

 

"Respondo que ele aprisiona, eu liberto
Que ele adormece as paixões, eu desperto"
Resposta ao tempo

Aldir Blanc e Cristóvão Bastos

 

 

Entro outubro de chico, melhor só seria se fosse com o Chico. Menstruada de nostalgia por ser o mês do meu aniversário. Não é pela idade que aumenta, mas por que estipulei em minha cabeça que os anos começam e acabam no mês em que nasci. Se eu comecei nele, a virada vai para ele! Mas essa vermelha saudade não é dolorida, até porque eu gosto muito de outubro, tanto quanto Drummond adorava dezembro. Lembranças nem sempre traduzem tristezas, muitas vezes é apenas rever o que passou sem os olhos de protagonista, pois o tempo nos faz platéia de nós mesmos. É tão comum nos acharmos bela na festa de janeiro e, ao nos olharmos na foto meses depois, rir da fera. Que cabelo é esse?

Um ano, na minha idade, passa rápido, mas ele cabe inteiro numa agenda que eu consigo folhear em minutos.

Nela está minha vida marcada: lembretes do bom e do ruim. O eletro que faltei, a flor que mandei. Passo em revista 2007 e vejo que ele desfilou bonito pela minha avenida, por mais que o mundo esteja tão estranho, que o circo da hora seja du Soleil, e nós para sorrirmos precisamos de filtro solar, o danado custa tão caro! Ainda assim, de uma forma bem individualista, eu gostaria de poder parar minha agenda em quase todos os meses desse ano que está por se encerrar: Aleluia, bendito seja ele, amém!

 

Foram meses que a cada pergunta: - Tem novidades? A resposta vinha de pronto:- Sim, tenho!

O verão passou corrido na praia, no sol, na bike, na expectativa do nascimento de meu novo livro.

O UI! nasceu entre as águas de março com a promessa de vida em meu coração,  ainda que não perfeito como deuses da literatura exigem, mas está aqui ao alcance de minhas mãos, e mais vale um imperfeito parido do que dois mais-que-perfeitos em eterna fase de concepção!

Abril chegou sem mentiras e voou entre bagagens e passagens que me levaram de volta ao velho mundo. Lá confirmei Almodóvar, Gaudí, Miró, Dali, Picasso como meus deuses e ainda que um trem ou outro tenha quebrado, um pique de pressão assustado, eu vi, falei, sorri, joguei moedas nas fontanas do amor. O beijo prometido desde 1980, foi dado na boca, bem descarado em Veneza.
Nem senti maio passar, juro que ainda estou por lá.

 

 Junho me trouxe para a “uma” que andei fugindo. Minha visão nublada. Um bisturi e muitos colírios em julho, e ela se animou para ver novos arco-íris mais coloridos.

 

 Ah! Minha filha que andou Dom Casmurro, em agosto readquiriu o olhar Capitu. Um novo Escobar!

 

 Setembro chegou com a música do Aldir, me dando respostas ao tempo. Por mais que ele me aprisione eu me liberto e já crio projetos pro ano que vem. A Grécia, quem sabe?

 

Recebo esse outubro bem rubro, ainda sem muitos rabiscos, olhando pro que passou com aquela saudade que eu disse no início. Mas, o mais importante é que o meu semblante se ilumina sempre que vejo entre minhas notas, o seu nome junto ao meu. Está em qualquer lugar e a toda hora. Então o tempo perde qualquer argumento para afirmar que o amor é chama. Ele se engana!

 A gente, meu amor, desafia até o vento! É o tempo que se rói com inveja de nós.


   

"Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
-Amor."

Carlos Drummond de Andrade

(Dezembro de 1985)

 

 

Enviado por Rosa Pena em 10/10/2007

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