Rosa Pena
O dia cada dia emagrece mais e a noite já veste manequim 36. Não existem mais cravos, só lapelas e ainda assim você teima em roubar a orquídea do rei, para dar a ela!
Desnudo seus pensamentos, seus gostos incomuns, coloco interjeições em sua mente, indico seus paradoxos, seus métodos poucos ortodoxos, aponto suas abstratas conclusões, enumero seus senões, culpo suas maldades disfarçadas em ingenuidade, abro fendas em seus delírios, quebro o cristal que envolve suas ilusões, apresento seu rosto para um espelho com lente de aumento, desafino seu solitário karaokê, faço uma leitura irônica de seu melhor poema. Nesse momento você grita com seu criado- mudo que esse amor sem documentos, que tanto apregoou aos vinte ventos, mora somente em livros desprovidos de sopros de razão. Sonetos não abastecem geladeiras, poesias não recebem décimo terceiro! Sei que você me odeia, pois em seu cérebro sou o tino.
Aceita uma sugestão?
Entorpeça-me com um doze anos e volta a ter dez. Poetas não olham a lua de viés. Ah! A orquídea está escondida naquele verso que você ainda não fez.
Chegou a vez.
Sugestão
Cecília Meireles
Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.
Flor que se cumpre,
sem pergunta.
Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.
Lua que envolve igualmente os noivos abraçados
e os soldados já frios.
Também como este ar de noite:
sussurrante de silêncios
cheio de nascimentos e pétalas.
Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino
e à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.
À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.
Sede assim, qualquer coisa, serena, isenta, fiel.
Não como o resto dos homens.
agosto de 2007