Sem pegada não rola!
Rosa Pena
Chutaria quarenta, talvez um pouco mais. Se ele afirmasse que tinha menos eu desconfiaria um bocadinho, mas sem invalidar o charme um tantinho enrugado no canto dos olhos e ligeiramente careca, que quase me atropelou. Não na vida, mas na via. A idiota aqui corria cheia de sacolas de natal para pegar um táxi e por pouco não se atirou debaixo da moto dele, uma bela Honda, que fique registrado. Ele, o motorista, freou cambaleando para evitar o choque. Saltou, segurou o meu braço com a força exata e me deu uma bronca pela desatenção, mas com a voz baixa e suave como se pedisse um vinho para dois.
Eu não ouvia mais o que ele dizia, pois só conseguia me lembrar das meninas que sempre falam: — Sem pegada não rola.
Ele não era atraente demais, nem de menos, muito menos um homem mais ou menos. Era atraente o suficiente e tinha pegada! Fiquei sorrindo e me senti lisonjeada de ter sido quase atropelada por um homem feio-bonito, perfumado e que vestia uma Ralph Lauren com um jeans desbotado de forma bem displicente. Ele certamente percebeu minha cara de "ai, caramba!" e perguntou de um jeito quase infantil se o espelho da moto tinha batido na minha cabeça. Dei uma gargalhada. E foi assim que se quebrou a garrafa do gênio da menopausa. Os três desejos ficaram ao meu dispor:
—Que não solte jamais o meu braço!—Quero outras broncas dessas, ditas bem baixinho! —Que fique para sempre com esse rostinho de querubim vadio!
O juízo, um eterno mal-amado, voltou apressado e eu ergui minha cabeça educadamente. Pedi desculpas pela distração, sorri, dei tchau, ganhei a rua e o dia. Agora eu sabia que o conjunto de barba por fazer, carinha de menino carente, um gesto brusco mesclado com um meigo, um olhar masculino bem dado que faz uma mulher se sentir linda desde a escova progressiva até o mindinho do pé é o que atualmente se chama de pegada. Afê Maria! Pegada é o sinônimo do velho e conhecido borogodó acrescido de um ligeiro ou intenso contato físico!
Peguei o celular e liguei pra minha filha.
— Querida quase fui atropelada por um cara que tem pegada!
— Mãe, você não acha melhor parar de fazer essa progressiva mensalmente? É muita quentura na cabeça.
— Tem razão boneca. Esqueci que o mundo só começou depois que você nasceu para me ensinar.
Enviado por Rosa Pena em 10/12/2008