Pipas no ar
Rosa Pena
Sônia Braga, menina moça na novela, tão boazinha e equilibrada, rouba na cara de pau o marido da amiga. Não é traidora, é só exótica. Foi-se o tempo em que geladeira era branca e telefone, preto. Agora, só barata voa ou pipa ainda voa?
O menino pede ao pai para comprar papel de seda. O silicone conversa com o botox sobre o ortomolecular que faz a pessoa perder 20 quilos em dez dias. Foi-se o tempo em que médico era doutor e mago era bruxo.
O menino pergunta para o pai o que é rabiola.
O bichólogo avisa que Netuno está na casa de Urano e que este pode ou não entrar pelo cano, mas que ainda assim a Cicarelli vai se casar com um bombeiro mecânico búlgaro. A Bulgária vai virar companheira.
Foi-se o tempo em que astrologia estudava astros e estrelas e não astros e estrelas comandavam o universo. Vênus já foi de Botticelli agora é a Cicarelli.
O menino quer a rabiola toda colorida. O macarrão vira cola.
O personal trainer avisa que com 58 sessões de RPG aquela dorzinha chata passa. Foi-se o tempo do Emplastro Sabiá, aliás, o Sabiá nem sabe mais se vai voltar, pois está na dúvida se aqui é o seu lugar. O menino pergunta pela linha e o que é cerol. O pai avisa que não se corta a beleza dos outros sem se cortar a si próprio.
O celular toca, só para avisar que está Vivo. O telemarketing ocupa a linha. Foi-se o tempo em que se dizia tem um boi na linha. Agora tem uma boiada mesmo e dela não sou rei, sou só um filho da puta de consumidor.
O menino pergunta pela armação! Da pipa e não a da telefonia.
O relógio sem ponteiros e sem números tenta avisar em Braille que está perto de meia-noite. Foi-se o tempo em que se via hora em relógio. Agora ele só serve para assalto.
Pessoas começam a abrir a champanhe sem pressa. A família que espere, o fogaréu deste ano pipocará durante duas horas sob o patrocínio da Rede Globo. Plim plim! Tudo bem, pois meia-noite é só lá pra uma da matina. Horário de verão é a grande solução para a crise do planalto. Todo mundo chora e grita empurrando uns aos outros: "Paz!".
O pai mostra ao filho o papagaio pronto em forma de estrela guia. O menino ignora o dia, a hora e coloca sua pipa dentro do primeiro arco-íris do novo ano. Para ele não existe nenhuma dúvida, nenhuma questão pendurada, se Plutão era planeta ou anão, se Elvis Presley morreu ou não. Só interessa que o menino nasceu.
Com licença e sua bênção, ano novo.