Lua sem São Jorge
      Rosa Pena


Tomo dois comprimidos de frontal, porque ainda não existem pílulas de Drummond que me dopem de poesia para continuar levando a vida.
Não sei o exato momento em que comecei a achar que Monalisa precisava de um preenchimento nos lábios.

Quero voltar a acreditar que mertiolate cura feridas e que o morro vai ter vez. Ave Maria... Olhai por nós!
Que vai existir um botox que recrie rostos com expressão de carinho.  As caras estão tão iguais no rancor.
Que o amor sempre será uma uva, dai Adão e Eva terem usado folhas de parreiras para deixarem registro.
Que crime vire novidade no cotidiano, atributo de apenas alguns bandidos que tentarão roubar o azul do arco-íris (em vão) e não esse constante e ofuscante pisca-pisca de néon que machuca minha vista.
Que eu possa dizer para os jovens “cresça e apareça", difícil com tanto apelo, cujo lema é apareça e cresça.
Que a gordinha possa ser a melhor bailarina de Bolshoi sem tanto olhar de assombro e sugestão de diet Shake.
Que a Vênus de Millus seja eterna referência de beleza sem precisar turbinar o seio ou virar marca de sutiã.
Que o menino possa desenhar a casa sem telhado, e a arte digital fique apenas em seus dedos.
Que os cadernos voltem a ter o hino Nacional na contracapa e este seja cantado com os olhos marejados de verde e amarelo.
Que o telefone toque com o único objetivo de trocar saudades e juras de amor. Sem vendas de cartão, apenas créditos de afeto.
Que o pai-herói crie seu filho-moleque não para ser o super-homem, mas apenas humano.
Que eu possa passar no revezamento da existência o bastão da certeza quase olímpica, que se é campeão quem conseguiu nessa vida arar sentimentos de apreço pelo criador e tentou deixar a terra fértil para que cresçam novas parreiras sem agrotóxicos.
Quero só um pouquinho de certeza que meu purgatório não foi em vão.
Está difícil ver a rosa sem lembrar de Hiroshima. 
Até São Jorge fugiu da lua depois da bandeira fincada lá. 
Tanta invenção e não inventaram pílulas de Drummond.

 E agora Carlos, o que deixo para eles deste vasto mundo sem rima e sem solução?
 

livro/momentos& sentimentos
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 27/08/2007
Alterado em 29/06/2015
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