Crônica do abraço

                   
  Rosa Pena

                             Para minha neta que vai chegar


Eu lhe amo muito, ainda que não tenha chegado o nosso esperado dia D: Olho no olho. Eu já adoro você pelos seus contornos nas ultras, ao ouvir seus batimentos cardíacos no estetoscópio do seu doutor. Batem bem alto, mas acho que meu coração vence o seu, não pelo tamanho, mas por conta da emoção que tomou posse de mim de forma absoluta. Tenho certeza que você é bela, não sei se será vista assim pelo mundo cego, mas tenho certeza: Est magnifique!

Como não amá-la antes?

Mamadeiras, raspinhas de maçã, geléia de Mocotó, caldinho de feijão, chupetas de mil cores, eleição do travesseiro soninho como o imprescindível companheiro, improvisos nas histórias para que existam muitas Cinderelas sempre infinitamente mais belas que as madrastas e o patinho ser lindaço logo de cara. Feio é o Mané que o chama. 
Que tempo gostoso.

Depois virá o dia em que daremos as mãos para que eu lhe mostre o meu surrado mundo, novinho em folha para você. Temo em não saber o que lhe dizer das borboletas que perderam a vez de voar para dar espaço aos artefatos nucleares. Penso imediatamente na sempre viva que não tem perfume, mas é uma flor maravilhosa. Ela vive até cinqüenta anos, porém também está ameaçada de extinção (Por quê? - Ocupação irregular, queimadas...). Será que elas não mais estarão nos canteiros anônimos quando você for colher a menorzinha delas no dia das mães?

Jamais me pergunte sobre Osamas, Obamas, Ó dramas. Não quero que fique sem respostas, pois nunca, jamais, em tempo algum, quero acabar com suas esperanças antes do tempo.

Como não amá-la durante?

Virá o momento em que subirá em meus sapatos, o pé ainda miúdo e delicado sobrando por todos os lados, o batom manchando o antigo biquinho que mamava com vontade, as pulseiras tilintando em seus bracinhos.

 Depois a escola, primeiro a merenda de casa, depois o lanche na cantina. Está inaugurada a menina que não quer mais colo. É tempo de mochila, tênis, bobeira, celular, mico, segredinhos, o pato Donald vira McDonald’s...

De repente, como a afobação de um furão, escalará um muro coberto de heras, flores e ameaças, que verá como desafios, e terá virado uma senhorita. Então eu lhe amarei mais ainda, encantada e quieta como o silêncio do entardecer. Reparou que o mundo se cala às dezoito horas? O céu ainda é azul, mas com um bocado de laranja, por vezes com tanta intensidade que chega até ao rubi para depois pousar lentamente no horizonte e na retina de nossos olhos premiados com esse show. 
  

Ah! É nessa mesma pressa que virará mulher, enfeitiçada com seu próprio corpo, atraída pelo tom primaveril de sua pele e convicta de seu poder de sedução. Sim! Uma Eva tem que ser feminista e muitíssimo feminina. Amar-se. Os homens serão aliciados pela maçã que mora em seus lábios, induzidos pela serpente que vislumbram entre seus cílios. Uma belíssima fêmea!

Depois, depois e depois o ciclo da vida se encarregará de lhe dar o que ganhei Dele. Uma filha linda, uma neta maravilhosa. E o meu amor? Eternamente seu!

Como não amá-la no depois? Como não amá-la? Como não? Como?

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 25/05/2011
Alterado em 31/05/2011
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