Viver que vida?

Rosa Pena


Aconteceu no lançamento do "Tarja Branca" na livraria Travessa de Ipanema. Os eventos acontecem no final da livraria, mas convidados, visitantes e fiéis usuários do recinto acabam por se misturar democraticamente no imenso salão da livraria. Afinal, acredita-se que todos que estão por lá possuem algo em comum. Amor aos livros... Ou não?

Dizem que alguns entram apenas para tomar um vinho 0800 ou para ver alguma celebridade. De repente, com um pouco de azar, aparece algum BBB.

Em maio de 2010 uma escritora, quase anônima no mundo real, lotou a livraria para o lançamento de seu livro. Marido, filha, genro, irmãs, amigos, conhecidos virtuais e até desconhecidos tiravam fotos das pessoas, principalmente com a escritora. Naquele dia e naquela hora ela era a notável, não por vaidade, mas por circunstância. Como uma noiva no dia do casamento. Vira o foco das atenções queira ou não! 

Subitamente o marido da autora ouviu uma voz do "além" ordenando que não tirassem fotos dele. Dele quem? Olharam e ela reconheceu o novelista global Manoel Carlos, pois seu cônjuge nunca prestou atenção em televisivos. A poderosíssima personalidade olhou-os de forma severa e com um arzinho irônico completou que uma foto dele no evento, seria propaganda enganosa para seu imenso e fiel público. A foto não foi tirada, não pela imposição, mas sim porque o que se queria eram registros dos que tinham ido prestigiar a festa.

O dito “propaganda enganosa”, além de grosseiro e mal-empregado, bateu torto nos ouvidos da escriba e, por conseguinte, remeteu-a as novelas do pretensioso autor.

Começou pelo elenco. Ele sempre escolhe os mesmos atores. Seus afilhados e a filha que virou atriz de tanto ter sua presença imposta na telinha. Que escola de teatro ela fez? Qual a sua formação artística? Talvez a EFG. Escola de Filha de Global.

Depois lhe veio à mente a eterna preferência do autor pelo bairro. Sempre o Leblon, representando o Rio de Janeiro para o resto do Brasil e do mundo. Quando aparece, por descuido, outro bairro, é no núcleo dos caidinhos (gíria carioca para a turma da cesta básica).Outra cidade brasileira? Nem pensar! Nesse último folhetim, a cartomante morava na Tijuca, pois uma profetisa não pode morar na zona sul, nem mesmo na Cruzada São Sebastião (muquifo que separa Ipanema do Leblon) local que reúne uma grande massa de trabalhadores, porém, infelizmente, também ladrões, assassinos e traficantes, vindos da favela da Rocinha que fica em São Conrado e possui uma linha exclusiva de ônibus Leblon x Rocinha, 591. 
 
Mas nas histórias dele só aparece à beleza do mar, o vôlei sarado, as pessoas maravilindas! Todas vestindo multimarcas de roupas Cardiff, Salinas, Redley, Cláudia Simões, compradas no mundo fashion do Shopping Leblon. Lojas consideradas populares? Só em bairros além túnel. Estranhamente o Norte Shopping é o que tem a maior renda no Rio de Janeiro. Mas fica no Méier e "Manuel, Manuellllll foi pro céu" (dá-lhe Ed Motta) ignora por completo tudo que não fique  nas imediações da Avenida Delfim Moreira.
 
Por uma questão de justiça é bom lembrar que apareceu uma favela cheinha de bandidos, certamente para criar uma antítese ao fabuloso mundo de Manoel, como também Búzios, o segundo paraíso do roteirista (lugar de ricos e famosos!). Porém, estava destoando do requinte normal, pois lá tinha uma Pousada com mais informação que a casa do Michael Jackson. Ah! Também não se pode esquecer que apareceu uma vila em Botafogo, onde o pessoal era tão provinciano que enfeitavam as festas "não juninas" com bandeirinhas e serviam maçã do amor. No Leblon isso jamais aconteceria, Manoellllll!? No mínimo Carpaccio de Salmão com Manjericão.
 
Cadeirantes no Leblon podem fazer tudo de tudo, até dançar em Paris, pois possuem academia em casa, médicos e fisioterapeutas exclusivos em horário integral. D'accord?

A sobrinha de uma faxineira conhecida da escritora está esperando há quase sete meses por uma consulta num posto de saúde e antes esperou três anos por uma cadeira de rodas. Mas que fique claro. Ela mora em Madureira. "Viver a vida" novela do “leblonzeiro” deixou-a esperançosa e depressiva. Esqueceram de dizer onde se tem que viver a vida: No Leblon!

Saber que existem maneiras de melhorar a qualidade de vida e junto descobrir que estão totalmente fora do alcance fica complicado. É bonito dar esperanças mostrando novas descobertas, é realmente muito importante, mas será que não gera um sentimento de impotência constatar que esses benefícios são exclusividade de apenas 5% da população?

Essa bondade televisiva regida pelo Seu Manoel, que não é o da padaria, pois esse dá um saudável Bom Dia e faz parte dos restantes 95%, tem afinal como objetivo o quê? Ganhar audiência com o sofrimento alheio, apresentando histórias isoladas de superação de quem ganha acima de cem salários mínimos?  Mostraram nossos hospitais públicos? Nossos postos de saúde? A verba destinada à saúde?

Seu Manoel... Quem é mesmo a propaganda enganosa? Plim- Plim!








Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 31/05/2010
Alterado em 03/06/2010
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