E a cor?
                     Rosa Pena
 
Passei pelo quarto que estava com a porta totalmente aberta. Eu olhei curiosa lá para dentro.
Ela estava aparentemente nua, apenas com um lençol amarrado em volta dos míseros seios no feitio de uma canga de praia. Os cabelos ralos e ruivos presos com um lápis no alto da cabeça. Quando nosso olhar se trocou ela sorriu e eu devolvi.
Achei-a tão bonita que lhe disse num rompante:
 Puxa! Você é um charme!
Ela, muito espantada, me perguntou se eu não tinha reparado que seu esqueleto estava desprovido de carne, que tinha apenas trinta e dois quilos de revestimento em 1.70cm de altura.
Sim, reparei e até pensei que você fosse uma dessas manecas anoréxicas.
 Quem dera! Começou no útero agora está em trocentos lugares.
 E essas flores lindas que enfeitam seu quarto?
 Trazidas pelo homem que me amou.
 Separaram-se quando você adoeceu?
 Um pouco antes. É deprimente perceber que quem tanto nos envolveu, já não gasta seus olhares e sorrisos conosco. Não se desvia de suas prioridades, e nós, ah! Que dó de mim, não fazemos mais parte delas. Apenas nos diz que as coisas estão complicadas e está sempre ocupado, atrapalhado, mas não se vai de vez pelo que representamos um para o outro um dia. Flores costumam aplacar crises de consciência.
Muita mágoa?
 Misto de sentimentos estranhos. Ainda existe carinho, embora bem retraído, não existe desprezo, nem hostilidade. É um surto de ausências: de palavras, gestos, sorrisos, lágrimas comungadas, promessas silenciosas. Chama apagada de quem jurou o eterno e um monte de frases feitas: Conte comigo a qualquer hora, liga pra mim quando precisar. Tanta formalidade para quem já trocou tanto beijo.
 Que droga você ser inteligente o bastante para perceber que não existe infinito.
 Quer coisa mais transitória do que a vida? A minha então...
 Tento lhe dar esperanças?
 Não. Tenta apenas me distrair. É sua mãe que você acompanha?
 Irmã.
 Onde?
 Pulmão
Quer falar sobre isso?
Não.
 Você está sempre com livros. Lê muito?
 Sim e também escrevo.
Escreveu algum livro?
 Amanhã lhe trago o último.
— Sou Lia. Quero dedicatória. 
Teve o amanhã e outros poucos depois dele. Comentou até a minha crônica “Qual é a cor da saudade”. Permaneço sem saber a cor dela.

 
 Ps: A dedicatória:
 
A vida acaba nos trazendo conhecidos, amigos, amores, pessoas que estiveram muito ou pouco conosco, mas que farão parte de nossa história. Algumas chegam no prefácio, outras no epílogo. Às vezes aquelas que imaginávamos cadeira cativa viram ausências, mas não menos história, e outras que trocamos apenas dois ou três dedos de prosa, dependendo do momento, são as que fazem o corpo do livro.
Lia, você já é mais que um parágrafo em minha vida.
Beijos, Rosa. 

 
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 09/11/2009
Alterado em 21/11/2009
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