Muito Prazer!
                                Rosa Pena


Ela perguntou baixinho como se esquece de vez um amor.
Tenta se lembrar só dos defeitos.
Ele não tem.
Então ele é de plástico.
Ele existe sim, mas não existem possibilidades entre nós, convivemos de longe, nos vemos pouco.
Casado?
Como se fosse.
Passa Henna no cabelo, faz aula de dança, curso de fotografia, arruma outro amor, vai para Tóquio...
 —Decididamente não há algum método menos desgastante para deletar da mente esse amor?
Sim. Mergulhar de cabeça na solidão, achar que sua vida é uma rua sem saída, sentir que você está na antecâmara do inferno, melhor, vai passar as férias na Faixa de Gaza.
Que horror! Quer que eu fique mais deprê ainda?
Jamais, pelo contrário. Acho que terrível mesmo é querer esquecer de vez um amor. A gente tem que fazer força para tirar da memória o ódio, o rancor, a parte feia da relação.
Num romance, ainda que não vivido de fato, apenas sentido e independentemente do final, você é a protagonista que mora no Jardim das Delícias pintado por Bosch. É tempo das calcinhas de seda, perfumes, hidratantes, vestidos colados, blues, cabelos sedosos, riso fácil, coração acelerado, o telefone fica azul da cor do mar, a lua sempre em quarto crescente de tesão. O amor causa milagres na dinâmica de uma vida.

E o sofrimento sentido pela distância, pela paixão impossível?
É bem menor do que o vazio. Triste é aquele que tem independência emocional. É como ficar na sala vazia de um aeroporto; é ouvir o som seco do próprio salto. É bem grande o sofrimento de quem não tem por quem sofrer. Prefiro ser escrava das paixões.

O amor não maltratado pelo cinismo, pela voz alterada de raiva, pela agressividade gratuita, pelo descaso, vai aos poucos parando de doer. Um dia você acorda e percebe que o difícil agora é lembrar. Como era mesmo o sorriso dele? Tira sem perceber o cd do Piazzola, coloca B.B. King; começa a fazer regime mesmo estando magra e volta pra academia. O ponto final em breve vai voltar a ser de exclamação:
— Muito Prazer!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 01/04/2009
Alterado em 17/03/2015
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