Querubins, anjos e afins!
 

Rosa Pena

 

 

 

Voei um bocado entre o céu e a Terra para passar o tempo. Não conseguia dormir vendo sua inquietude e não estava lá muito contente com a infindável discussão de Humberto de Campos com Lima Barreto sobre 'Foot-ball”. Num desses pousos vi Drummond traçando um novo poema de amor. Aproximei-me dele e pedi cola dos versos, pois o meu forte sempre foi prosa. Ele me avisou que estavam na Terra, exatamente em você. Decolei novamente e pousei ao seu lado na cama. Não se preocupe que não gritarei que agora divisei em seu rosto a lua, o conhaque e visto que sou um perfeito anjo torto fiquei comovido como o diabo. Suspiro baixo, pois acordar você assim no meio da noite seria um crime, um delito maior que o estupro do sol ou rasgar um poema de Cecília! Seus ouvidos precisam de silêncio e seu corpo de calma. Oscilar aqui entre nós, apenas os meus olhos brilhando em plena escuridão.

Passo a madrugada toda ao seu lado, pois não consigo lhe deixar só, principalmente, no escuro. Não que nada de mal não possa lhe acontecer em plena luz do dia. Mas a noite é hora de rezar todas às ave-marias para que nada de ruim aconteça no dia seguinte. Hábito herdado de mães que são anjos em terra. Assim, quando você acordar e sentir que a minha mão passou a noite inteira pousada em sua fronte, uma tranqüilidade lírica - vinda talvez de Carlos, Vinicius ou Bandeira - irá fazer sua alma bater mais compassada para que seu corpo não sinta palpitações negativas. Protejo-lhe como um arcanjo poderoso, mesmo ainda só sendo um projeto de querubim. Não quero mais que perca a confiança no mundo, ainda que ele esteja mais frágil do que cristal em mãos de crianças. Todos os dias se quebram taças, mas não desanime, pois sempre restarão pelo menos duas para o brinde final. Abismos e precipícios foram feitos para que nossas asas se fortaleçam! Em cada vôo ficamos mais fortes e mais perto do horizonte onde atualmente moram aqueles que exerceram com competência, convicção e conhecimento de causa, a arte de pôr no papel equações de paz, mas que só alguns iluminados decifram e praticam. Já era tempo de só se resolver teoremas com incógnitas de ternura, mas o mundo não é regido por poetas. Que pena!


Leminski lhe mandou um alô de lá e sem ser santo (graças a Deus) avisa que o que tanto lhe aflige no agora passará no depois. Ele me contou (jamais lhe diga que soube por mim) que a viu brincando de avó muito bem acompanhada de dois pequerruchos, numa praia onde estrelinhas do mar fazem da areia céu. E, disse mais, que tudo que tem atravessado neste 2008 foi um chuvisco que nem de guarda-chuva precisaria. Mas você sempre foi de criar temporal com suas emoções.

Está amanhecendo e como diz meu amigo Ascenso Ferreira
: Hora de vadiar-Vadiar! Mas vou decolar tranqüilo, pois sei que verei novamente em 2009 o seu sorriso maroto igual ao de uma criança frente a um chocolate antes do almoço. Espero que se lambuze com muito gosto.

 

Ah! Volte a acreditar que sapos viram príncipes, daí quando você tiver que engoli-los, eles descerão bem mais suaves.

 

Um beijo de seu anjo da guarda. 
Sabino

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 08/11/2008
Alterado em 09/08/2014
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