11/09/2005 10h50
Eu frevo de raiva!
Rosa Pena




O nome frevo nasceu da metátese, mudança de lugar ou condição de um fonema. Quanta gente não fala largato, estrupo, vrido, etc. Inversão também chamada de hipértese.

Frevo é fervo, o ato de ferver, do eu fervo, não a água, mas ferver o corpo. Erro considerado grave na escrita, não o fato de balançar o esqueleto, e sim a metátese. Eu nunca fui de atirar preda na Geny, humilhar meu semelhante pelo erro, sei que não é proposital, não é falta de saber, é na maioria das vezes uma característica regional, quase institucionalizada no nordeste brasileiro. Vira vício de linguagem, soa estranho aqui no RJ, da mesma forma que os excessos dos nossos “is”, soa mal por lá. Carioca não diz: - Eu disse. Diz: - Eu dissi.

- Ta comendo vrido peste? Não, to comendo gelo pai! (Luiz Gonzaga).

Pois é, digo que não gosto de carnaval, mas adoro toda e qualquer manifestação popular de alegria. Acho que não curto mais é escola de samba do tal grupo especial. É muito silicone para os meus olhos, é muita madrinha pra pouca bateria. Estou com os blocos e não abro. Não só os cariocas, os desse Brasil afora.

Os Papangus lá de Bezerra em PE, completou cem anos. Desde de 1905 a tradição é o marido fujão se mascarar, e cair na folia até o amanhecer. A brincadeira acaba na quarta-feira, quando é agraciado com um prato de angu em alguma casa, por vezes em sua própria casa, e o mais instigante é a esposa ofertar a papa, sem saber se é seu esposo ou não, o comedor. Quem comeu o angu? Ele ou tu?

Aqui no Rio, o meu bloco favorito é “Simpatia é quase amor”, que sai de Ipanema há vinte e um anos. O nome do cordão é originário de um poema do Casimiro de Abreu, "O que é simpatia?". Eu concordo com o grande poeta plenamente. A gente simpatiza tanto com alguém, que a sensação é de amor mesmo. Além do nome lindo, as características do bloco são as minhas. Liberdade nas abordagens temáticas, na freqüência, mas sem nunca esquecer o respeito coletivo.

Seu Manuel da padaria pula com a garota da capa do playboy, o garoto das bolas no sinal samba com o juiz criminal. No quase amor não há preocupação com bundas e peitos. Se aparecer foi conseqüência. Sem lança-perfume, sem cheiro, a gente tem êxtase. Os blocos de carnaval são no final de tudo a grande escola do carnaval. A DA PAZ! Um dos raros momentos onde todos somos absolutamente iguais. Esse é o maior objetivo da democracia ou não é mais?

Ele freve no nordeste e nós fervemos aqui no sul. Em fevereiro de 2005 tentamos repintar nossa bandeira de azul e amarelo. Andava vermelha demais, mas a esperança ainda permanecia verde, apesar da Rosinha que murchou, do Garotinho que adolesceu, do mar não estar pra peixe, e sim pra moluscos. Ainda assim, sempre que começa um ano novo, buscamos fé no que virá.

O cinza chegou no dia certo do calendário para o povo. O garoto voltou pro sinal, a garota pra capa, seu Manuel pra padaria. E o governo? Pra roubalheira.

A esperança? Na prateleira guardada por mais num sei quanto. A gente ainda não aprendeu que não basta apenas o povo I LOVE Brasil lutar, pois os genuínos Josés Genoinos, cismaram de tirar o sorriso do brasileiro. Eu frevo de raiva da minha cara de babaca. Carnaval o ano inteiro? Lulafolia? O meu acabou na quarta-feira. Já era essa de contar com a alienação do brasileiro, que basta dizer que a taça do mundo é nossa, e promover um Lenny Kravitz na praia. Circo sem pão? Come pedra peste?

O Lalu não é mais torneiro? Terno Giorgio Armani fez a cabeça? Papou muito angu? Está sofrendo de hipértese? O Que É Isso, Companheiro?

Somos patriotas, mas não somos mais idiotas.

Publicado por Rosa Pena em 11/09/2005 às 10h50





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