04/02/2007 17h24
Dias de voltar
à Rosa Pena



Emmanuel Chácara Sales



Há dias em que perdemos a bússola. Largamos a mão da mesmice diária e ficamos atônitos, sem saber o que fazer. Sempre nos ensinaram a seguir adiante. Fomos educados para atingir metas. Na miopia da sociedade moderna, chegar ao final é sinônimo de felicidade. Agindo assim, não percebemos que a vida da mesma forma que o tempo, possui dobras, curvaturas, que unem o fim ao começo. Estamos sempre voltando, mas não nos damos conta disso.

Só mais tarde, às vezes tarde demais, descobrimos que a felicidade desde sempre morava no inicio. Que o final é apenas uma outra forma de compreendermos o começo. Que para nos acharmos é necessário regressar às origens. Nascemos com o estigma de replay.

Ao final do dia, onde quer que estejamos, a sensação de ter um lugar para voltar é como beber chocolate quente em noite de inverno. É de pura alegria o canto da agulha de um toca-disco, pois sabe de antemão que voltará ao início quando chegar no final. As andorinhas só emigram porque está implícito que o Revisor Gramatical da natureza trocará o "e" pelo "i", e então elas voltarão. O rio cumpre seu destino de mar por não ter dúvidas de que um dia, o vapor d'água singrará o espaço, levando-o de volta à nascente.

O ato de voltar invade-nos pela porta entreaberta de retratos na parede. Esconde-se na tiritante neblina da ausência que envolve as colinas do peito. Revela-se no reflexo molhado das páginas amarelecidas de antigos cadernos infantis. Esconde-se no vermelho poente que anseia pelo retorno da aurora. Habita nos olhares em despedida. Aguarda pacientemente no lado arrumado e vazio da cama. Explode, numa fissão de alegria, quando o som da chave saudosa de fechadura devora a distância da espera.

Um pai recorda o pai no sorriso do filho. Um asilo de idosos se alimenta de infância. Um velho moinho gira vidas com as pás da lembrança. Um álbum de fotografias é uma máquina do tempo. Um par de sapatos alquebrados tomando sol no parapeito da janela, sonha em vestir de novo a poeira do caminho.

Voltar é uma roupa com cheiro de mala: vazia de hoje e cheia de ontem.

Voltamos todos os dias: ao passado, para alguém ou para coisas. È tempo de voltarmos para nós.



© Emmanuel Chácara Sales – Brasília/DF –

Publicado por Rosa Pena em 04/02/2007 às 17h24





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